Aristóteles, em seu livro VII d’A Política, indica que quando o número de cidadãos é excessivo o aborto pode ser realizado como forma de manter a estabilidade na Grécia Antiga¹. No século XIX, com o avanço do capitalismo, o aborto se colocava como uma ameaça ao comércio que necessita de mão de obra abundante e também de um grande contingente consumidor. Na URSS, em 1920 o aborto deixou de ser crime e passou a ser um direito das mulheres, enquanto que para o Nazi-fascismo o aborto era punido com pena de morte por não respeitar a necessidade de se “criar filhos para a Pátria”. Nota-se, então, que a questão do aborto nem sempre foi polêmica, quando convém pode-se fazer uso dele como política natalista, fazer a discussão sobre os direitos das mulheres quando a sociedade constrói outras formas de organização, como o regime socialista, ou ainda pode-se simplesmente criminaliza-lo sem espaço para polêmicas e que será punido com a pena de morte. Ou seja, em qualquer dessas circunstâncias o aborto é fato! Esteve presente em sociedades desde as mais antigas, mas o que muda é apenas a forma da sociedade encará-lo.
Aqui no Brasil é o Código Penal de 1940 que legisla sobre o aborto, uma vez que a Constituição de 1988 não a altera. Esse Código Penal trata do aborto no Título I (Dos Crimes contra a Pessoa), Capítulo I (Dos crimes contra a vida), nos artigos
A lei diz uma coisa, mas na prática o aborto acontece na vida de muitas mulheres. Segundo o documento Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, publicado pelo Ministério da Saúde em março de 2004, no Brasil anualmente ocorrem aproximadamente 1,4 milhão de abortamentos, entre espontâneos e inseguros, com uma taxa de 3,7 abortos para 100 mulheres. A maioria desses são abortos inseguros, ou seja, procedimentos para interromper a gestação não desejada realizado por pessoas sem as habilidades necessárias ou em um ambiente que não cumpre com os mínimos requisitos médicos ou ambas as condições (OMS, Unsafe Abortion, 1998). O procedimento de curetagem (raspagem uterina) é hoje o segundo procedimento obstétrico mais realizado no país, revelando as altíssimas taxas de tentativas de aborto.
Todos esses dados revelam que a hipocrisia de nossa sociedade que invisibiliza a questão do aborto, deixando essa discussão, quando muito, para o espaço das vidas privadas, causa conseqüências graves tanto para as mulheres, interferindo em todo seu contexto físico, social e psíquico, quanto para a saúde pública do país. Por isso militantes feministas denunciam que “essa hipocrisia gera hemorragia” (Marcha Mundial das Mulheres).
No Brasil aborto é crime (para quem não pode pagar!)
Na prática o aborto no Brasil só é crime mesmo pra quem não tem dinheiro, para as mulheres pobres, principalmente as negras que têm todo um histórico de opressão. Para respeitar a decisão das mulheres sobre o que querem para o seu corpo e diminuir as taxas escandalosas de complicações e mortes maternas ocasionadas por abortos inseguros é necessário que os serviços públicos de saúde possam fazer o atendimento com qualidade ao procedimento do aborto. O atendimento deve ser acompanhado, sem dúvida nenhuma, de campanhas e muita discussão sobre o que é o aborto, a autonomia da mulher especialmente no que tange sua sexualidade e a possibilidade de vivenciar realmente as escolhas de planejamento familiar.
28 de Setembro: Luta pela descriminalização do aborto!
Paula Leal
Diretora do DCE livre da USP
Diretora de Mulheres da UEE SP
Marcha Mundial das Mulheres
1 - Vásquez, SR. La situación del aborto en América Latina y el Caribe. In: < http://www.despenalizaciondelaborto.org.co/data/documentos/200509161615410.latina_caribe.pdf > Acessado em 22 de Setembro de 2007.
2 - Resumo da conferência de autoria do Dr. Jefferson Drezett; apresentada no Painel de Descriminalização do Aborto realizado em Brasília e promovido pela Secretaria Especial de Políticas para Mulheres em 07 de junho de 2005. In: <www.ipas.org.br/arquivos/jefferson/problema_saude05.doc > Acessado em 23 de Setembro de 2007.
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