quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Aborto, espontâneo ou provocado, só notado quando convém pra sociedade.

Aborto é a interrupção da gravidez. Pode acontecer devido a complicações na gestação ou ainda ser provocado. Quando provocado, é objeto de polêmica em nosso país sendo proibido por lei, mas constantemente praticado por milhares de mulheres em clínicas clandestinas que cobram um valor altíssimo por esse serviço. Mas nem sempre o aborto foi polêmico ou crime, em diferentes sociedades esse assunto vem sofrendo muitas variações com o transcorrer do tempo.

Aristóteles, em seu livro VII d’A Política, indica que quando o número de cidadãos é excessivo o aborto pode ser realizado como forma de manter a estabilidade na Grécia Antiga¹. No século XIX, com o avanço do capitalismo, o aborto se colocava como uma ameaça ao comércio que necessita de mão de obra abundante e também de um grande contingente consumidor. Na URSS, em 1920 o aborto deixou de ser crime e passou a ser um direito das mulheres, enquanto que para o Nazi-fascismo o aborto era punido com pena de morte por não respeitar a necessidade de se “criar filhos para a Pátria”. Nota-se, então, que a questão do aborto nem sempre foi polêmica, quando convém pode-se fazer uso dele como política natalista, fazer a discussão sobre os direitos das mulheres quando a sociedade constrói outras formas de organização, como o regime socialista, ou ainda pode-se simplesmente criminaliza-lo sem espaço para polêmicas e que será punido com a pena de morte. Ou seja, em qualquer dessas circunstâncias o aborto é fato! Esteve presente em sociedades desde as mais antigas, mas o que muda é apenas a forma da sociedade encará-lo.

Criminalizar não resolve

As estatísticas de países de todo o mundo demonstram que onde o aborto não é criminalizado as taxas são menores. “Neste sentido, países que criminalizam o aborto, como é o caso do Brasil, não têm suas taxas de abortamento diminuídas. Ao contrário, os números de abortos ilegais, e consequentemente inseguros, são altos, bem como a taxa de mortalidade materna, decorrente das complicações deste tipo de procedimento”, diz Dr. Drezett durante conferência em Brasília em 2005 organizada pela Secretaria de Políticas Especiais para Mulheres, SPM². Em países como a Holanda, onde o aborto é legalizado, as taxas são menores, mas em casos de países com legislações mais punitivas, como no Brasil, ainda sim estas taxas permanecem altíssimas.


Esses dados refutam argumentos sem bases estatísticas de que legalizando o aborto este passaria a ser realizado em grande número, aumentando drasticamente as taxas desse procedimento no Brasil. Mas as leis não superam a necessidade e a realidade da vida das mulheres que, mesmo tendo o aborto como crime em seus países o realizam buscando para isso outras formas de abortamento que não o serviço de saúde pública.

As leis brasileiras e a realidade do Brasil - “Essa hipocrisia dá hemorragia”

Aqui no Brasil é o Código Penal de 1940 que legisla sobre o aborto, uma vez que a Constituição de 1988 não a altera. Esse Código Penal trata do aborto no Título I (Dos Crimes contra a Pessoa), Capítulo I (Dos crimes contra a vida), nos artigos 124 a 127, criminalizando-o, exceto quando o aborto é considerado “terapêutico”, ou seja, quando se trata de salvar a vida da gestante ou “sentimental”, quando a gravidez resulta de estupro.

A lei diz uma coisa, mas na prática o aborto acontece na vida de muitas mulheres. Segundo o documento Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, publicado pelo Ministério da Saúde em março de 2004, no Brasil anualmente ocorrem aproximadamente 1,4 milhão de abortamentos, entre espontâneos e inseguros, com uma taxa de 3,7 abortos para 100 mulheres. A maioria desses são abortos inseguros, ou seja, procedimentos para interromper a gestação não desejada realizado por pessoas sem as habilidades necessárias ou em um ambiente que não cumpre com os mínimos requisitos médicos ou ambas as condições (OMS, Unsafe Abortion, 1998). O procedimento de curetagem (raspagem uterina) é hoje o segundo procedimento obstétrico mais realizado no país, revelando as altíssimas taxas de tentativas de aborto.

Todos esses dados revelam que a hipocrisia de nossa sociedade que invisibiliza a questão do aborto, deixando essa discussão, quando muito, para o espaço das vidas privadas, causa conseqüências graves tanto para as mulheres, interferindo em todo seu contexto físico, social e psíquico, quanto para a saúde pública do país. Por isso militantes feministas denunciam que “essa hipocrisia gera hemorragia” (Marcha Mundial das Mulheres).


No Brasil aborto é crime (para quem não pode pagar!)

Para evitar grandes complicações pós-tentativas de aborto mulheres têm que pagar por serviços prestados em clínicas (clandestinas, uma vez que o procedimento é crime no país) e que cobram muito caro (entre R$1000 e até R$ 4000) por cada cirurgia abortiva. Quem pode pagar essa quantia vai até a clínica, sofre o procedimento (totalmente invasivo ao corpo da mulher) e na maioria das vezes não tem grandes complicações (pelo menos físicas), mas e as mulheres que não podem pagar? Resta como alternativa (ou falta de) para quem não é rica enfiar uma agulha no útero ou procurar alguma mulher que já passou por isso e que possa indicar uma farmácia que venda citotec (misoprostol em nome técnico) ilegalmente e sem receita médica ou ainda tantas outras possibilidades que pode passar pela cabeça de uma mulher desesperada (chás de tudo quanto é jeito, medicações das mais variadas).

Na prática o aborto no Brasil só é crime mesmo pra quem não tem dinheiro, para as mulheres pobres, principalmente as negras que têm todo um histórico de opressão. Para respeitar a decisão das mulheres sobre o que querem para o seu corpo e diminuir as taxas escandalosas de complicações e mortes maternas ocasionadas por abortos inseguros é necessário que os serviços públicos de saúde possam fazer o atendimento com qualidade ao procedimento do aborto. O atendimento deve ser acompanhado, sem dúvida nenhuma, de campanhas e muita discussão sobre o que é o aborto, a autonomia da mulher especialmente no que tange sua sexualidade e a possibilidade de vivenciar realmente as escolhas de planejamento familiar.


28 de Setembro: Luta pela descriminalização do aborto!

O dia 28 de setembro é o Dia de Luta pela Descriminalização do Aborto na América Latina e Caribe. Criado no 5º Encontro Feminista Latino-Americano e do Caribe (Argentina, 1990), o dia 28 vêm sendo uma importante data na luta pelos direitos das mulheres da América Latina e Caribe, especialmente no direito em decidirem quando, com quem, e como querem ter filhos/as. No Brasil durante o dia 28 acontecem ações em diferentes estados, desde atos com centenas e até milhares de mulheres que saem às ruas para denunciar o descaso e a hipocrisia de uma sociedade que fecha os olhos para o aborto, como também grupos de discussão e atividades que pretendem desmistificar muitas coisas sobre o aborto, dando espaço para essa discussão na vida das mulheres. Este ano, em São Paulo, acontecerá um ato pela legalização do aborto que pretende reunir as mulheres na Praça Patriarca, próximo à Prefeitura Municipal, a partir das 10 horas da manhã. Se reunirão mulheres, muitas vestidas de lilás (cor da luta feminista), com suas bandeiras das organizações, com seus instrumentos da batucada feminista ou ainda apenas com suas vozes para entoar as palavras que ecoarão pela cidade: “direito ao nosso corpo, legalizar o aborto!”. Todas são convidadas a se somarem nesta manifestação de milhões de mulheres por toda a América Latina.


Paula Leal

Diretora do DCE livre da USP

Diretora de Mulheres da UEE SP

Marcha Mundial das Mulheres

1 - Vásquez, SR. La situación del aborto en América Latina y el Caribe. In: < http://www.despenalizaciondelaborto.org.co/data/documentos/200509161615410.latina_caribe.pdf > Acessado em 22 de Setembro de 2007.

2 - Resumo da conferência de autoria do Dr. Jefferson Drezett; apresentada no Painel de Descriminalização do Aborto realizado em Brasília e promovido pela Secretaria Especial de Políticas para Mulheres em 07 de junho de 2005. In: <www.ipas.org.br/arquivos/jefferson/problema_saude05.doc > Acessado em 23 de Setembro de 2007.

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